Erros de detalhamento

Erros de projeto, como lidar com eles

Se você está no mercado de estruturas metálicas já lidou com problemas causados por erros de detalhamento. Muitos anos atrás em uma reunião, tentei defender um indicador com o percentual de erros. A resposta que recebi foi: “Que porcentagem de erros você aceita nos pousos de avião? Pouse o avião, não venha me dizer que morremos menos vezes este mês.“. Nunca esqueci esta reunião.

Muitos anos depois, li um livro onde um gerente de produção defendia que apenas 0,1% das geladeiras fabricadas eram entregues com defeito. Aparentemente muito bom, mas a fábrica produz 3 milhões de geladeiras por ano. São 3 mil geladeiras com defeito por ano, cerca de 250 geladeiras a serem devolvidas ou consertadas todo mês, são 250 clientes novos por mês falando mal do meu produto. Mais uma vez o percentual não ajuda : O seu índice pode ser baixo, mas seu cliente vai lembrar apenas do número absoluto.

Qual a conclusão óbvia? Todos queremos um projeto perfeito, mas mesmo trabalhando duro continuarão havendo geladeiras com defeito, aviões que caem e detalhamentos com erros.

Como evitar erros, em busca do projeto perfeito

Evitar erros de detalhamento envolve uma combinação de profissionais qualificados, processos eficientes e informações de entrada adequadas.

A combinação necessária para um projeto perfeito não depende apenas do projetista. Quem é o responável por cada componente?

  • Ter profissionais qualificados são de nossa inteira responsabilidade.
  • Criar e implantar processos eficientes também são de nossa responsabilidade, mas a interferência nesses processos pelo cliente estão fora do nosso controle.
  • Os dados de entrada são responsabilidade do contratante. 

A responsabilidade do projeto perfeito é exclusiva do projetista se este for capaz de não aceitar interferências nos processos, nem dados de entrada ruins. Na prática, algo difícil!

A primeira conclusão é que o projeto perfeito exige um cliente perfeito.

Profissionais qualificados

A empresa de detalhamento é 100% responsável por ter os profissionais qualificados para executar seus contratos e por alocar os profissionais certos nas atividades certas.

Erros de detalhamento causados por inexperiência, falta de atenção ou desleixo são indiscutíveis. Neste artigo não estamos falando desta categoria.

Processos eficientes

Cada empresa possui seus processos e suas formas de gerenciamento, que foram lapidadas ao longos dos anos. Não é difícil criar e implantar um processo, o desafio é criar um processo viável ( que atenda prazos e custo ).

O uso de modelagem reduziu o trabalho repetitivo de prancheta e trouxe produtividade e confiabilidade. Quanto menos interferência neste processo com fases manuais, menos chances de problemas. Se você for copiar uma lista de 200 itens manualmente, há uma grande chancede cometer erros (e quanto mais rápido você tentar fazer isso, maior a chance).  No projeto ocorre o mesmo.

Um exemplo: As etapas de extração de desenhos exigem mais trabalho manual, portanto são mais vulneráveis a erros. Alterações e revisões depois do início dos desenhos, aumenta exponencialmente a probabilidade de erros. Se o cliente, com um projeto básico ruim, solicita uma modificação nesta fase, ele está aumentando as chances de erro.

Existem outras formas de interferência (mudanças de prioridades, faltas de informação, novos tipos de apresentação, etc). As interferências nos processos inserem um risco adicional fora do controle do projetista, e por isso a responsabilidade passa a ser compartilhada.

Dados de entrada adequados

Aqui vou usar a comparação clássica, é possível se fazer um churrasco ruim com uma carne boa, mas não há churrasqueiro que faça um bom churrasco com uma carne ruim. Os dados de entrada ruims vão repercutir em todo o ciclo de projeto, causando ineficiência, atrasos e erros. Não há como responsabilizar o churrasqueiro se o cliente trouxe uma carne de má qualidade.

A influência é tão significante, que acredito numa validação do projeto básico e até na recusa em iniciar o trabalho enquanto as informações não estiverem adequadas. Ou seja, aceitar dados de entrada inadequados é assumir desnecessariamente uma parcela da responsabilidade pelo projeto final ruim.

No Code of Standard Practice do AISC, há uma previsão específica para o “Fast-Track Project Delivery“, uma fabricação (detalhamento incluso)  feita de forma simultânea com as definições de projeto, arquitetura e equipamentos. O AISC deixa claro que é uma forma de reduzir o cronograma da obra, mas alerta o contratante a balancear o custo desta economia com o custo de revisões e retrabalhos que serão de sua responsabilidade.

Um detalhamento de uma obra na modalidade “Fast-Track project Delivery”, que não é incomum,  será um detalhamento com índice maior de erros e retrabalhos cuja responsabilidade não pode recair apenas no detahamento.

Como tratar os erros

A prioridade após a descoberta de um erro é minimizar os seus impactos, seja na fabricação ou na montagem. O foco é na obra e no cliente. A equipe de detalhamento deve ser imediatamente acionada. Não se recomenda uma solução de obra ou ajuste de fábrica sem consultar o projetista. Estas soluções podem causar danos mais sérios do que o erro inicial.

O NISD (National Institute of Steel Detailing) indica que é tão importante comunicar prontamente o detalhamento, que caso não o seja, não poderá haver responsabilização pelo erro. Isto me parece justo e intuitivo, já que muitos erros atribuídos ao projeto são erros de fabricação, montagem ou interpretação. 

O detalhamento deve atender prontamente qualquer comunicado de erro ou dúvida, adotando a prática de “prioridade zero”. É preciso entender que existem processos de fábrica ou montagem dependendo de uma solução.

Multas por erro: “Backcharging”

No Brasil, não há um consenso sobre este assunto, mas a prática de mercado não costuma exigir compensações. Isto por diversas razões:

  1. Se não há desleixo do projetista, o erro é uma fatalidade, faz parte da natureza do trabalho e não há razão para retaliações.
  2. Se a obra não ofereceu as condições ideiais de projeto, o que é a realidade, a responsabilidade é compartilhada e não faz sentido uma cobrança.
  3. Para se considerar uma compensação, deve haver equilíbrio. Se não há compensação para revisões e retrabalhos, por que haveria uma compensação por uma falha de projeto?

No mercado americano há um entendimento geral para esta questão, conforme a NISD. Segue abaixo uma tradução livre do texto oficial:

“Qualquer erro ou imprecisão do detalhamento encontrado pelo cliente deve ser imediatamente comunicado ao detalhamento para que juntos possam avaliar a extensão dos problemas e seus custos. O detalhamento deve ter uma tolerância de custos de erros de até 5% do custo total de seu serviço, incluindo custos de adicionais e revisões. Se o custo for superior a esta tolerância, o detalhamento deverá arcar com os custos de até o máximo de 10% do valor total do seu serviço (incluindo aditivos e revisões). Os custos a serem cobrados do detalhamento são os de mão de obra, impostos, seguro e transporte envolvidos na correção dos problemas. Custos de matéria prima deverão ser pagos pelo cliente. O cliente deverá notificar o detalhamento de qualquer discrepância encontrada, de tal forma que o detalhamento tenha a oportunidade de corrigir ou esclarecer o problema. Na eventualidade do cliente não efetuar esta notificação, o detalhamento não poderá ser responsabilizado pelos custos envolvidos.
Nenhum erro ou discrepância de detalhamento será responsabilidade do detalhamento se tiver sido causado, direta ou indiretamente, por omissões ou ambiguidade nas informações do projeto básico e seus documentos disponibilizados para o detalhamento.

Veja também

Código de ética nos projetos de estrutura metálica.

Projeto executivo e projeto de detalhamento.

Tipos de modelagem em estruturas metálicas.